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2020 e o PROAC

2020 foi um ano catastrófico. Quem poderia imaginar, lá no Reveillón, tudo que viria a acontecer no decorrer dos próximos meses?
Lembro inclusive que o ano começou animado: A May, minha mulher, foi fazer sua tão sonhada viagem a Paris; Eu e os meus comparsas do QFDP preparávamos os ajustes finais da próxima edição da Marmita; Além de outros planos no campo pessoal que seriam (e serão, um dia) importantíssimos para minha vida e que começavam a se realizar.

Mas veio Março e junto com ele o pesadelo da pandemia. O que parecia algo distante tinha tomado os noticiários e se tornado parte do nosso dia-a-dia. O “novo normal”, que muitos até hoje insistem em ignorar, mudava os planos, adiava as coisas e criava uma aura de incerteza que colocou todos os projetos em stand by por tempo indeterminado.

Enquanto eu me virava para pagar as contas, buscando um job de cada vez e torcendo por dias melhores, recebi um e-mail que me saltou aos olhos: “Aberto Edital ProAC 2020”. Enfim uma notícia boa em meio àquela enxurrada de catástrofes! Desde que tomei conhecimento sobre o ProAC, Programa de Ação Cultural do Governo do Estado de São Paulo, imaginava um dia concorrer com a história do Coleira. Mas todo ano acontecia algo que atrapalhava: Um projeto grande que tomava meu tempo de forma integral, ou um problema pessoal que precisava de toda a minha atenção, todo ano algo impedia que eu conseguisse montar a proposta e concorrer. Só que agora era diferente. Eu tinha tempo e, justamente por isso, já havia inclusive decupado toda a primeira parte da história no começo do ano, sem nenhuma pretensão, só por tédio.

Na verdade, acho que só naquele momento a história estava pronta. Ela havia amadurecido junto com seus autores ao longo desses quase cinco anos desde a sua concepção inicial, e tinha a oportunidade de ser colocada a prova nesse momento caótico, de uma forma que me obriga a citar o mago Alan Moore em sua obra-prima “Watchmen”:
– Milagres. Eventos tão improváveis de ocorrer como o oxigênio virar ouro. Eu anseio por observar algo assim e, no entanto, esqueço que no acasalamento humano milhões de células competem para criar a vida geração após geração, até finalmente a sua mãe amar um homem, o Comediante, um homem que ela tinha todas as razões para odiar, e dessa contradição, contra todas as maiores probabilidades é você, apenas você, que emergiu. Extraindo forma específica desse caos, é como o ar se transformando em ouro. Um milagre. E por isso eu estava errado. – Doutor Manhattan

Relação dos projetos selecionados no ano de 2020.

Mas o milagre mesmo foi quando, dia 05 de novembro, abri o Diário Oficial e vi meu nome entre os vencedores. Mais especificamente no primeiro lugar, empatado com o grande Carlos Ruas, de quem sou fã.
Eu não conseguia acreditar que finalmente aquele sonho iria se tornar realidade! E não dividido em partes, em preto e branco, como a dura realidade nos deixava sonhar. Mas de forma integral, em cores, como tinha que ser. Eram quase dez da noite quando li a notícia e imediatamente liguei para o Coleone. Ele não pode me atender, pois estava em aula. Mandei uma mensagem: “GANHAMOS, P****!!!!!!!”.
Ele conta que assim que viu a mensagem deu um jeito de sair da sala e me ligar. Parecia que tínhamos ganhado uma copa do mundo, ou algo do tipo. Berrávamos, chorávamos. Em parte pelo sonho se tornando realidade, mas também por finalmente conseguirmos comemorar algo, tirar um nó na garganta que já estava quase nos sufocando em meio à tanta tragédia e tristeza.

Não podia ser diferente. Tudo nessa história leva um pouco das nossas vidas, dos nossos corações. E a forma como ela veio à luz foi simbólica nesse sentido. Uma flor do deserto. Um oásis em meio à uma realidade caótica. Um dia do caçador, o outro da caça.

Gabe Teixeira

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“Vira Lata”

Dizia eu no post anterior que a história “Herói” publicada na primeira edição da revista “Marmita” foi a inspiração pro Coleira. A ideia de um personagem que apesar das limitações cria coragem pra fazer o que é certo sempre me cativou.

Lembro de uma entrevista de um dos meus maiores ídolos, Roberto Gomez Bolaños, onde ele apontava como sendo o seu personagem Capolim Colorado um herói muito maior do que os outros. Diante do chiste do entrevistador, ele explica: “Sim, porque é muito fácil ser um herói quando se tem superpoderes e não precisa sentir medo. O verdadeiro herói é aquele que diante das dificuldades supera o medo e enfrenta os desafios. E assim é o Chapolim”. Essa visão do mestre Chespirito me fez repensar toda a minha opinião sobre os heróis.

Nessa mesma época eu estava bastante envolvido com a questão dos animais. Havia participado de alguns eventos com ONGs da minha cidade e presenciado alguns resgates. A vida toda tive bichos em casa e não imagino uma vida plena sem eles. Mas nesse período eu pude perceber de perto a real situação dos animais abandonados, ou dos que sofrem maus-tratos.

Foi então que a história do Coleira começou a se formar. Um dia sentei com um caderno nas mãos e escrevi cerca de 20 páginas, vomitando tudo que eu sentia a respeito daquele tema, pensando em como aquilo poderia ser transformado em uma HQ. Essa história é bem diferente daquela que vocês conhecerão mais pra frente, mas a essência era a mesma: Um cara comum que ama os animais e que decide lutar por eles com as armas que tem.

Quanto terminei esse primeiro esboço percebi que tinha algo interessante, mas não sabia bem o que era. Decidi então que precisava contar pra alguém a minha história. Alguém que pudesse me ajudar a transformar aquilo em algo real.

Os “Coleiras”, Gabe Teixeira à esquerda e Eduardo Coleone à direita. Devidamente mascarados.

É nesse ponto que entra na história o meu amigo e parceiro de muito tempo Eduardo Coleone. O Dú é professor de Língua Portuguesa e um escritor talentosíssimo. Já havíamos trabalhado juntos em alguns projetos, como sua coluna de crônicas que tive o prazer de ilustrar por vários anos. Nessa época o Dú já morava em São José do Rio Preto e as nossas conversas eram normalmente por mensagens de texto ou áudio. Disse a ele então que marcássemos uma reunião por Skype porque tinha uma ideia que precisava mostrar pra ele. E assim fizemos.

Fiz uma leitura do meu texto capenga, morrendo de vergonha, e assim que terminei a reação dele foi: “Velho, vamos fazer!”. A partir de então passamos pensar juntos, melhorar os pontos fortes, lapidar os fracos e aos poucos transformar a história no que ela é hoje. Inclusive o nome “Coleira” foi o Dú quem sugeriu. Na versão inicial eu havia usado o nome provisório “Vira Lata”, esquecendo completamente do cão homônimo da Hanna-Barbera. Primeiro ponto crucial dessa parceria.

De lá pra cá, esse projeto foi evoluindo lentamente, cozinhado em banho-maria, esperando o momento de ver a luz do dia. E isso aconteceu ano passado, um oásis de esperança no meio a um ano caótico.

Quer saber como? Cola aí semana que vem 😉

Gabe Teixeira

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Um projeto de herói

Essa história continua em 2015, num momento complicado entre o que seria a última edição da extinta “Hquê?” e o nascimento do “QFDP”. Na ocasião vínhamos de uma publicação mais madura e evoluída deste primeiro grupo, que havia rendido dentre outra coisas nossa segunda indicação ao Troféu HQMix como publicação independente e também o interesse por parte de uma editora em publicar nossa revista. Parecia que realmente era um momento de mudança para todos.

E foi. Talvez não da forma que você está imaginando… O fato é que por se tratar de um grupo muito numeroso (a esta altura o grupo “HQuê?” já contava com quase 30 membros fixos dos quatro cantos do interior paulista), os conflitos artísticos e diferentes pontos de vista sobre o futuro das publicações acabaram sendo determinantes para a dissolução do projeto. Hoje eu percebo que esse era o caminho natural das coisas. A “Hquê?” cumpriu o seu papel e foi importantíssima não só para a cena no interior, mas principalmente para a vida de cada um dos membros.

Nesse ponto sobramos Carlão, Henrique (que havia entrado para o grupo recentemente, sem conseguir participar de nenhuma edição) e eu, com histórias prontas para o que seria a mal fadada “Hquê?” nº6 e uma vontade imensa de continuar publicando. Três ibitinguenses, legítimos quadrinistas caipiras, com uma página em branco na nossa frente (com o perdão do trocadilho). E foi assim que resolvemos começar o “Quadrinhos Fora da Panela”, grupo de publicação independente nos mesmos moldes do “Hquê?” mas com algumas mudanças resultantes dessa experiência anterior. E com os espólios da última edição nunca publicada nasceu a primeira “Marmita: Alimento pra Viagem”, publicação de 2016 com a participação de Éder Santos, Celso Ludgero e Kadi Silva, somando seus talentos aos já citados membros dessa nova empreitada.

Foi nessa edição que publiquei o que seria o insight para o Coleira: uma história de quatro páginas escrita lá em 2015 chamada “Herói”, que você pode conferir na sequência:

Gostou?

Então não perca a continuação dessa história na semana que vem!

Gabe Teixeira

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Como tudo começou…

A ideia de escrever uma história em quadrinhos autoral foi algo que me acompanhou desde sempre, quando eu dobrava folhas de sulfite e desenhava histórias com meus amigos da rua interpretando super heróis ou, na minha preferida, com uma turminha formada pelos bichinhos de estimação desses mesmo amigos. A possibilidade de poder contar uma história do meu jeito e (teoricamente) com baixo custo foi algo que sempre me encantou nas HQs.

Passando pela adolescência, quando normalmente esses sonhos acabam ficando um pouco esquecidos, foi na hora de escolher o curso para o vestibular que me deparei novamente com este universo. No antigo e talvez pouco popular hoje em dia “Guia do Estudante Abril”, onde os principais cursos das principais universidades do país eram descritos, avaliados e destrinchados para os vestibulandos perdidos (como era o meu caso), foi uma baita surpresa quando eu encontrei um curso que tinha em sua grade a disciplina “História em Quadrinhos”. Não tinha dúvida que esse era o escolhido! Acabei optando pelo tal “Desenho Industrial com Habilitação em Programação Visual”, que hoje em dia já foi devidamente rebatizado como “Design Gráfico”, quase que exclusivamente por causa dessa matéria, que no fim das contas acabou sendo um tanto frustrante… (mas isso é uma outra história).

Formado, acabei seguindo o caminho da publicidade. Isso foi em 2006 e na época até que consegui publicar alguma coisa como quadrinista, mas para campanhas publicitárias e coisas do gênero. Mais uma vez o sonho de ilustrar as minhas histórias acabou ficando de lado.

Essa fase durou até 2013, quando eu conheci o meu grande amigo e parceiro Carlos Eduardo Marques, roteirista e membro do recém criado “Hquê? – Grupo de Publicação de Quadrinhos Independentes”. Esse grupo havia se formado em Araraquara e contava com artistas de todo o interior de SP. Foi um momento catártico pra mim descobrir que ali, literalmente do meu lado (o Carlão morava duas casas pra baixo da minha) tinha gente publicando quadrinhos!

Nesse momento percebi que meu sonho era justamente esse: contar as minhas histórias. E o meio que eu tinha pra fazer isso eram os meus desenhos. Ser um ilustrador não fazia sentido nenhum se não fosse dessa forma. Desenhar logotipos podia pagar as contas, mas não satisfazia a alma.

Então, fui convidado pra fazer parte do coletivo “Hquê?”, onde publiquei em três edições, duas dessas sendo indicadas para o troféu HQMix. Conheci a cena de quadrinhos nacional que pra minha surpresa borbulhava de novos talentos e atingia um status de produção que talvez nunca tivesse vislumbrado antes. Mas o mais importante de tudo é que fiz amigos com quem eu aprendo e me inspiro todos os dias.

Página da História “Catstreet Renegades”- Roteiro de Carlos Eduardo Marques e desenhos de Gabe.

Depois disso, a “Hquê?” cumpriu seu ciclo e se dissolveu em 2016. Mas não sem deixar marcas permanentes na minha vida. A mais palpável delas foi o novo grupo de publicação que formamos, Carlão, Henrique Mathias, e eu: o “Quadrinhos Fora da Panela”, onde publicamos a revista “Marmita: Alimento pra Viagem”, com a proposta de ser um celeiro para novos quadrinistas do interior que muitas vezes estão escondidos, longe demais das capitais.

E assim chegamos aqui. Você deve estar perguntando “Tá, mas e o Coleira?”. Calma, que eu já chego lá, rs 😉

Gabe Teixeira